arena gremio segregação socioespacial

Na última sexta-feira (20), o Globo Esporte do Rio Grande do Sul exibiu uma reportagem sobre as obras de contrapartida da Arena do Grêmio que nove anos depois da inauguração do estádio ainda não saíram do papel, o que me motivou não só como torcedor gremista, mas também como geógrafo a escrever este artigo.

Para assistir a reportagem na íntegra, clique aqui.

Considerada pioneira no Brasil por adotar um modelo de estádio autossustentável, mais confortável e com proximidade do campo, a Arena do Grêmio é certamente um ponto de Porto Alegre que merece sua visita – e não digo isso apenas por ser apaixonado pelo time tricolor. Mas porque se trata do maior estádio multiuso da América Latina, com infraestrutura padrão FIFA.

Por outro lado, como nem tudo são flores, é nítido nos arredores da Arena (onde as obras de contrapartida deveriam ser realizadas) o contraste espacial e social em comparação com a grandiosa infraestrutura do estádio. Tal discrepância visualizada nessa paisagem culmina na fragmentação e polarização social, reforçando, assim, o processo de segregação socioespacial na região intrametropolitana de Porto Alegre.

Isso resulta basicamente pelo fato de, ao mesmo tempo em que as elites concentravam-se em determinados setores e bairros nobres de Porto Alegre, as moradias das camadas mais populares sofriam uma clara periferização. E aí, se interessou pelo tema? Vem entender o processo de segregação socioespacial comigo!

A localização da Arena do Grêmio

Como uma boa análise geográfica, devemos começar localizando a área estudada e contextualizando-a na organização espacial. A Arena está situada no bairro Humaitá, na Zona Norte de Porto Alegre, às margens da rodovia BR-290 (Free-Way), entre a BR-116 e nova BR-448 (Rodovia do Parque), com fácil acesso ao Aeroporto Internacional Salgado Filho, à rede ferroviária, ao Trensurb, e ainda com direta ligação com o novo anel metropolitano.

Essa imensa rede locacional confere à Arena uma posição estratégica, garantindo praticidade tanto para os torcedores locais quanto para aqueles que vêm do interior do estado, de outras localidades do Brasil e até do mundo.

No entanto, apesar de estar entre as mais modernas da América Latina e ter sido pioneira no conceito multiuso, a Arena convive em uma relação dialética com seus arredores não condizentes com sua magnitude, o que, como mostra a reportagem, revela a face perversa de investimentos inovadores em nosso país: a desigualdade!

O projeto e a construção da Arena do Grêmio

Tudo começa quando, em 2000, o Grêmio começou a pensar em um novo estádio para sediar as partidas do clube. A ideia era a construção de um estádio autossustentável e que cumprisse os padrões da FIFA — o que não era o caso do então Estádio Olímpico Monumental.

Após longas discussões sobre o local para construção, em 2006 iniciaram-se os estudos de viabilidade e, em 2008, o clube aceitou a proposta da construtora OAS (hoje em recuperação judicial), que contava com a parceria de outras entidades, como, o banco Santander e a Gismarket, para dar início às obras da Arena.

O local que parece ter sido o mais atrativo para estabelecer a Arena foi um terreno no bairro Humaitá. E não foi à toa. Localizado na Zona Norte de Porto Alegre, o bairro, que até pouco tempo era considerado uma das maiores concentrações de vazios demográficos da capital gaúcha, passou a conviver em meados dos anos 2000 com uma crescente expansão do mercado e do capital imobiliário, processo que denominamos de especulação imobiliária.

Este fenômeno, portanto, culminou na lógica valorização do bairro como área estratégica diante da clara posição de centralidade em relação a determinados referenciais metropolitanos, e a consequente decisão do Grêmio FBPA de construir seu novo estádio, nesta região.

Da construção da Arena, o início das obras se deu finalmente em 20 de setembro de 2010 após uma carreata saída do antigo Estádio Olímpico até o terreno da Arena.

Como já disse, a grande polêmica evidenciada desde o início das obras da Arena é que, como a maior parte da área “comprada” pelo Grêmio no bairro é propriedade da OAS, ficou estabelecido no contrato da construtora com o poder municipal que fosse realizada, no mesmo ritmo da Arena, obras de revitalização no seu entorno.

O que não veio a acontecer. Pelo contrário, mesmo com o passar do tempo e com o avanço da obra que já está finalizada, observa-se que o entorno da Arena continua igual, ou seja, muito destoante da imagem luxuosa que o estádio quer passar, onde se vê conjuntos habitacionais e casas humildes nos arredores – o que confere a está paisagem urbana uma situação de segregação socioespacial.

O que é segregação socioespacial? E por que é a maior contradição da Arena do Grêmio?

A segregação socioespacial, também entendida como segregação urbana, corresponde ao processo pelo qual diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões ou conjuntos de bairros da metrópole.

Ela traz inúmeros problemas às cidades. Um deles é, obviamente, a desigualdade em si. Camadas mais pobres da população, com menos recursos, são justamente as que gastam mais com o transporte diário, que têm mais problemas de saúde por conta da falta de infraestrutura, que são penalizadas por escolas de baixa qualidade, e por aí vai.

Outro é o enfraquecimento das relações sociais, contribuindo para tornar as diferenças ainda mais profundas.

Nesse sentido, a segregação socioespacial vem a ser a maior contradição da Arena do Grêmio, pois a paisagem formada nos seus arredores provoca uma confusão se comparada ao complexo de tamanha luxuosidade que é o estádio, tendendo, por isso, a acender ainda mais as desigualdades sociais no bairro Humaitá, o qual desde sua origem é um bairro operário e de população com menor renda.

Abaixo, veja fotos dos arredores da Arena do Grêmio e perceba a situação de segregação urbana:

Imagem do entorno do estádio. Ao fundo pode-se enxergar a Arena, mas é quase impossível não se ater às construções de primeiro plano antes de enxergar o estádio (Foto: Reprodução da Internet).
As casas humildes no entorno da Arena, e, ao fundo, a magnitude luxuosa do estádio (Foto: Reprodução da Internet).

Referências

GHELER, K. F. As contradições da Arena do Grêmio: breve análise da mudança de paisagem nos arredores do estádio. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 2012.

Nove anos após inuaguração da Arena, muitas obras de contrapartida saíram do papel – Globo Esporte (Rio Grande do Sul): https://ge.globo.com/rs/

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